Olá meu povo lindo,
Comecei a participar de um projeto do colega Luca Nunes e Paloma, com o desafio de escrever um conto de terror durante as quatro semanas do mês de outubro. Achei muito legal e legítima a ideia e então comecei a escrever no Instagram, e já publiquei 3 partes por lá.
O problema é que não dá pra escrever muito, só umas dez linhas, portanto juntei as 3 partes e coloquei aqui. A segunda parte é a parte final e você poderá ler na próxima postagem. Bora curtir muito e partilhar
AQUI JAZZ - CONTO DE MARGARETE PRADO
Cemitério da Lapa - São Paulo
AQUI JAZZ
O táxi estacionou diante da entrada do Cemitério da
Lapa. São Paulo vivia uma tarde cinzenta e fria. Vila Leopoldina silenciosa e
estranhamente calma para uma sexta-feira. Mariska desceu do carro e entrou no Cemitério
ajeitando o vestido. Que ideia idiota vir ao enterro de saltos agulhas. Louca
mesmo, chão difícil, cheio de pedras, folhas e galhos. O Cemitério era suntuoso
e antigo. Fundado em 1918, na capital paulista, para enterrar as vítimas da
Gripe Espanhola, quando morreram 14 mil pessoas no Brasil.
Mariska sentiu um arrepio. Era uma tarde fria, mas
sua alma estava ainda mais gelada. Era o enterro de seu avô, que morreu do
Covid 19. As pessoas cujo óbito marcava a morte pelo vírus maligno, os parentes
estavam proibidos de ir ao sepultamento. Ela foi escondida da família e do
hospital, por teimosia. Seu avô tinha sido seu grande aliado em vida. Sempre a
protegeu das visões que a perseguiam e lhe ensinava lições da Bíblia. Ele orava
com ela, desde que Mariska era criancinha.
Ela via almas de outro mundo. Eles falavam com ela,
pediam ajuda ou somente choravam. Ninguém acreditava nela ao contar para os
adultos, somente o avô tinha acreditado nela e lhe apoiava e confortava. Ela
nunca pisou num Cemitério por medo mesmo de ver muitos espíritos ao mesmo tempo,
como lhe acontecia em hospitais. Mas ali reinava paz e além dos galhos e folhas
secas estalando, nada mais havia para perturbar o silêncio reinante.
Mariska foi andando devagar até uma parte do Cemitério
na qual havia somente placas no chão. Sem túmulos. Era a novidade do local,
devido ao aumento de enterros com a pandemia. Lá distante, no imenso jardim, quatro
funcionários desciam o caixão lacrado pra dentro de uma enorme vala. O vô
Alberto nem estava sendo enterrado na lápide da vozinha Anita. O corpo dela
ficou no Cemitério da Consolação, no túmulo pertencente à família por décadas.
O seu avô não teve permissão da Família da avó de Mariska de ser enterrado onde
sua esposa foi.
Também, as mortes por Covid em São Paulo estavam
sendo monitoradas pelo governador e prefeitura, todas as vítimas estavam indo para
o Cemitério da Lapa outra vez. Mariska nem mesmo sabia se o avô estava mesmo no
caixão. Eles lacravam tudo e não permitiam a nenhum dos familiares chegar
perto. Ela sentia que estava acontecendo alguma coisa estranha, mas não
conseguia entender por que tinha essa sensação.
Portanto, ela seguiu o féretro escondida, bem de
longe, parou atrás de uma das altas árvores daquele solo sagrado, olhando o
jardim imenso colina abaixo, coberto de placas no chão.
Ouviu um barulho de tosse atrás de si e voltou-se
rapidamente. Uma linda mulher com olhar de paisagem mirava a jovem. Muito
elegante, de colar de pérolas, com blusa rendada e saia preta. Aparentemente,
com mais de 40 anos. A estranha falou primeiro: - Espionando o enterro?
Mariska sentiu seu coração se agitar. Nos primeiros
momentos, ela nunca sabia se estava vendo alguém vivo ou morto. Decidiu ser
suscinta: - É o enterro do meu avô.
- Alberto foi homem bem sucedido e criou bem os
filhos, mas ninguém nunca soube o preço que pagou. Ele tinha muitos segredos.
Não me admira não ter ninguém em sua partida final e a neta estar se
escondendo.
- Ele morreu do Covid 19. Proibiram pessoas no cortejo
fúnebre.
- E você acreditou nisso? Onde que um homem robusto,
lúcido e cheio de saúde vai morrer de corona vírus? - kkkkk, ela soltou uma
longa risada.
Mariska olhou rápido na direção do sepultamento, por
causa do barulho que a estranha fez dando risadas. Mas os homens calmamente estavam
jogando terra na lápide. Ela voltou-se outra vez na direção da desconhecida
certa de que teria desaparecido. A mulher tinha se erguido do mausoléu onde se
sentara e estava em pé. - Você ainda vai descobrir muita coisa Mariska e
quisera que jamais as soubesse. Vá embora para bem longe, menina. Fuja enquanto
é tempo.
Dito isto, a mulher se virou da direção da saída, sem
esperar resposta e foi embora em passos rápidos. Mariska teve vontade de chamá-la,
de correr atrás, mas ambos os movimentos iam atrair a atenção dos homens que
estavam encerrando o trabalho de enterrar seu avô. Ela se encolheu atrás das
árvores e esperou que fossem embora também. Depois, caminhou até o túmulo,
chorou olhando a areia fofa em cima da terra, ainda tinha que mandar fazer uma plaquinha
e ficou nessa melancolia por algum tempo, antes de ter forças para ir embora.
Os dias passaram e Mariska nunca mais soube da
mulher, mas foram chegando dívidas e mais dívidas de seu avô, mulheres que se
diziam sua esposa e queriam saber da herança. Ela morava com o avô desde que
perdera os pais num estranho acidente de carro, filha única, sendo sua mãe
também a única filha de seus avôs. Os avós paternos moravam no exterior, era o
que diziam, e ninguém reclamou de seus avós ficarem encarregados de adoção.
Quando ficou adolescente, a avó faleceu de câncer, era uma mulher muito calada
e triste, que não saía de dentro da Igreja, ia a missas todos os dias e vivia
brigando com seu avô. Ela se mantinha longe das brigas e tentava focar nos
estudos, porém os espíritos a perturbavam dia e noite.
Ela frequentou o ensino médio solitária e sem amigos,
pois os espíritos derrubavam as coisas de seus colegas dentro da sala de aula,
escondiam as mochilas, arrastavam os pratos para o chão na cantina, na hora do
almoço, derrubam as amigas no banheiro. Assim, todo mundo achava que Mariska
era bruxa, endemoniada, acreditavam que ela era que fazia todos os truques e
traquinagens, pois somente ela enxergava os espíritos fazendo as maldades. E
não conseguia impedi-los, eles a atormentavam com essas peraltices até que os
ouvisse e atendesse um último pedido de pendências que haviam deixado em vida. No
entanto, mal atendia um falecido e ficava em paz alguns minutos, já surgia
outro e o martírio se repetia.
Ficou tão marcada na escola, que muitas vezes a
diretora mantinha a menina da diretoria enquanto os colegas iam para casa, para
que não houvesse nenhum acidente da saída ou ponto do ônibus, pois muitos
colegas haviam se queixado que ao caminhar ao lado de Mariska até o portão da
escola ou até o ponto da condução urbana, coisas estranhas aconteciam e eles
tinha medo. Portanto, para proteção da mocinha e de seus colegas, a diretora
ficava com ela em seu gabinete por meia hora ou mais, até que tivesse permissão
de ir embora. Mariska não se aborrecia com isto, porque no gabinete da diretora
era um dos poucos lugares onde nenhum espírito lhe perturbava e ela aproveitava
para fazer a lição de casa sem interrupções ou para ouvir música em paz. Sua
vida era triste e sofrida, ela também gostava de passar as tardes na Igreja,
porque lá também ficava sem ver nada, mas o padre olhava para ela com ar de
piedade.
Ficou adulta, fez faculdade com os mesmos
aborrecimentos e colegas mantendo distância, ninguém queria saber de fazer
trabalhos escolares com ela, ou até mesmo se sentar perto dela. Ela almoçava e jantava sozinha no restaurante
universitário e era isolada no dormitório. O avô Alberto foi seu único amigo e
confidente, ele fazia patuás para ela e orava com palavras estranhas. Porém
surtiam efeitos por alguns dias e os espíritos voltavam com suas petições e
pendências. Mariska nem mesmo podia ter um namorado.
Entretanto, a morte do avô trouxe descobertas nunca
imaginadas, ex-esposas, supostos tios e tias, o que fez com que ela começasse
uma investigação. Como certas coisas eram difíceis de averiguar, ela começou a
fazer barganhas com os espíritos. Para cada pedido atendido por ela, o finado
tinha que lhe fazer um favor, tais como pegar distrair o padre enquanto ela
espionava os arquivos da Igreja, causar uma confusão entre os policiais na
delegacia, para ela olhar furtivamente no computador detrás do balcão. Assim, Mariska
pesquisou profundamente a vida do avô na internet e nos arquivos da cidade,
fosse na Igreja, delegacia ou escolas onde o avô estudou ou trabalhara. E as
coisas que lhe foram reveladas eram de arrepiar.
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